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Biblioteca de Fátima

 

ROSA, João Guimarães, - Grande sertão : veredas. Lisboa : Companhia das Letras, 2019. 469 p., [ 1 ] ;. ISBN 978-989-665-813-7

 

Toda a literatura ocidental passou por etapas criativas distintas. Aqui, com o modernismo, ou pós-modernismo, de Guimarães Rosa, se estabelece um marco distinto na literatura brasileira, como cá o tinham marcado Fernando Pessoa ou Almada Negreiros, dentro da mesma escola literária. Esse modernismo marca com a sua criatividade, com a reinvenção da escrita, da tipologia sintática gramatical, do figurino discursivo.

Grande sertão: veredas pode tornar-se, numa primeira análise, difícil de ler para um português, eventualidade essa que acaba por desaparecer com a persistência de leitura e de depois de vermos as preciosidades literárias de que é formado. Porque dificuldade existe, já que somos confrontados com nomes, sobretudo de flora e fauna, que nos são alheios. Perdemos algumas figuras de estilo, nomeadamente os tropos ( metáfora, metonímia, sinédoque ), por desconhecimento do referente, ainda que possamos consultar dicionário. ( Será talvez por isso mesmo que só agora foi editado o livro em Portugal). Acresce também, à faculdade interpretativa, a liberdade sintática que o autor, sabiamente manipula, utilizando construções baseadas em regionalismos, a que forçosamente somos alheios pela diversidade da geografia. Isto – reinventar – é um traço distintivo desta escola literária. Estou certo, porém, que um leitor ficará estimulado pela criatividade do autor e lerá até ao fim as aventuras narradas no livro.

Estruturalmente, o livro é uma narração, ou melhor, um monólogo de um antigo cangaceiro, Riobaldo, inculto, que subiu a chefe de bando dos jagunços, que batalham por esse sertão nordestino brasileiro, cuja vida é retransmitida a um narratário indeterminado, a que o narrador chama “ o senhor”. Pela boca sertaneja de Riobaldo, ficamos a saber da imensidade e diversidade do sertão nordestino, das lutas, das traições, das misérias do corpo e da alma, sobretudo desta última, pois tudo o resto não passa de uma tela onde se desenhará a vida. Existe de permeio uma atração, meio erótica, por um outro personagem que sob as suas ordens milita, Diadorim – referência implícita à bissexualidade humana – que depois de morto se revela ser uma mulher, tendo andado até aí transvertido de homem.

Por alguma estranha razão, grandes escritores teem uma formação médica, como Guimarães Rosa ( embora tenha seguido a carreira da diplomacia ) ou, como cá acontece com Miguel Torga, Bernardo Santareno ou Lobo Antunes.

Convém acrescentar o seguinte: a língua portuguesa é a mais falada no hemisfério sul, entre todas as língua do mundo. Grande sertão: veredas é um contributo assinalável para a excelência das literaturas lusófonas e pode-se qualificar entre os maiores clássicos que, nelas, já foram escritos.